Elenco conta com participação da atriz acreana Gleici Damasceno e é gravado desde o início de junho em Feijó, cidade onde Santa Maria da Liberdade teria atribuído milagres a fiéis devotos. População local pede que Igreja Católica inicie processo de canonização, a partir da divulgação da história. Documentário que conta história de Santa Maria da Liberdade é protagonizado pela atriz acreana e campeã do BBB, Gleici Damasceno
Evilásio Cosmiro e Arquivo pessoal
Santa Maria da Liberdade, a ‘menina santa de Feijó’, é tema de um documentário de longa-metragem produzido e gravado durante todo o mês de junho na cidade de mesmo nome, distante 350 km de Rio Branco. Com elenco que conta com a participação da atriz acreana Gleici Damasceno, o objetivo é relatar os milagres que teriam sido operados pela santa em dezenas de fiéis devotos.
LEIA MAIS:
Candidato a Santo: Processo de beatificação do padre Paolino começa no interior do AC
Historiador do AC relata milagres de ‘menina santa’ morta há um século
A história da menina que morava no Seringal Liberdade, interior de Feijó, há mais de um século e passou a ser considerada santa popular décadas depois, ainda é rodeada de mistérios, já que há diversos relatos de que ela morreu de uma forma violenta. Uns contam que ela foi estuprada e morta. Em outras versões, o próprio irmão é apontado como algoz. No entanto, não há comprovações específicas sobre o que ocasionou este crime.
O g1 conversou com o historiador Marcos Vinícius Neves, diretor do documentário, e que estuda desde 2017 a devoção popular à santa. Em Feijó desde maio, quando o processo de pré-produção foi iniciado com Rodrigo Campos, que também dirige o longa, ele contou que é ‘impressionante’ a quantidade de devotos na cidade, além da mobilização para que Maria da Liberdade seja canonizada e se torne santa pela Igreja Católica.
“Apesar de a maior parte do estado não conhecer essa devoção, em Feijó é muita gente [devota], desde grandes comerciantes, fazendeiros, funcionários públicos, moradores da periferia, trabalhadores, ribeirinhos, povos indígenas, todos têm formas distintas de devoção pela santa e as histórias de milagres, de curas, de mulher cega que volta a enxergar, de pessoas desenganadas pelos médicos que são curadas, é uma quantidade alucinante”, disse.
O professor comentou também que no documentário, que deve ser lançado no próximo ano, é usado o dispositivo ficcional para ajudar a contar a história que é rodeada de mistérios, já que há muitas versões acerca da morte dela. Gleici Damasceno, inclusive, retrata a santa no documentário, onde tem a missão de contar as várias maneiras com as quais as mulheres acreanas, as ‘Marias do Acre’, são vilipendiadas e mortas.
“É uma oportunidade de mostrar que essa violência contra mulher, de gênero, é muito arraigado na cultura, na sociedade desde a época dos seringais, onde as mulheres eram usadas como mercadorias em troca de dívida de seringueiro, não era reconhecido na dignidade humana”, frisou.
Ele fez menção à forma violenta com a qual Maria da Liberdade teria sido morta, em comparação com casos de feminicídio ocorridos no Acre. Somente em 2023, por exemplo, o estado teve o segundo maior índice de feminicídios do país, com taxa de 2,4 mortes por 100 mil habitantes, segundo um relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Elenco do documentário de Santa Maria da Liberdade conta com mais de 20 pessoas envolvidas em Feijó
Arquivo pessoal
Milagres
O historiador teve conhecimento da história após conhecer uma uma pessoa chamada Maria da Liberdade em homenagem à santa. A mãe da jovem estava em trabalho de parto em um barco no meio do rio e fez uma promessa para ter um bom parto.
“Há muitas mulheres em trabalho de parto que foram salvas. Então, existem várias Marias da Liberdade ao longo do rio. Em outro caso, um homem disse que ficou doente, parou de mamar e a mãe já tinha até comprado o tecido para fazer uma mortalha. Quando anoiteceu, a mãe dele prometeu à Maria que se o filho sobrevivesse usaria o pano para cobrir o altar na capela. Quando deu 3h da manhã ele começou a mamar e chegou aos 67 anos”, relatou.
Gravação do documentário de Santa Maria da Liberdade deve durar todo o mês de junho em Feijó
Arquivo pessoal
Sobre os mais diversos milagres atribuídos à Maria da Liberdade, a fé popular faz com que os devotos usem o barro do túmulo em que a menina estava enterrada como remédio para passar em queimaduras, feridas e tumores. O corpo dela, segundo Neves, não está no túmulo pois pode ter sido levado para Roma por um padre.
“O Acre tem muitos santos populares, em todas as regiões tem pessoas que morreram injustiçadas, martirizadas e se tornam santos aos olhos do povo e fazem milagres nas pessoas. No caso da Maria da Liberdade, além da característica cultural que é muito acreana, ela apresenta características muito próprias, originais”, falou.
Terra do túmulo de Maria da Liberdade é usado para curar feridas e também ingerido como remédio, segundo pesquisador
Evilásio Cosmiro/Arquivo Pessoal
O padre Nilson Maia de Souza, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Feijó, disse na época ao g1 que não há nenhum documento comprovando que o corpo de Maria tenha sido levado para Roma ou qualquer outro lugar. Segundo ele, moradores mais antigos do município afirmam que os restos mortais foram retirados do local de sepultamento, mas a história nunca foi confirmada.
“As pessoas contam isso, mas não temos nada comprovado. Ela é uma santa popular, o que faz com que qualquer documentação seja ainda mais difícil de achar. Não podemos afirmar para onde foi levado os restos mortais, ou mesmo se foram retirados do local onde hoje é a capela para Maria. Tudo que sabemos é que muitas pessoas relatam vários milagre e atribuem a ela e ao barro do local onde ela foi sepultada”, ressaltou.
Canonização
A capela de Maria da Liberdade fica no Alto Rio Envira, local este onde o corpo foi enterrado e de onde se tira barro para fazer as curas. Em época de inverno, demora cerca de quatro dias para chegar.
Na cidade, há uma igreja oficial para as pessoas que não podem ir até à capela. Como não é uma santa canonizada, iniciou como ‘Igreja Santa Maria da Liberdade’ e precisou ser mudada para ‘Comunidade Maria da Liberdade’, já que os padres não podem afirmar que ela é santa sem antes ser reconhecida pelo papa Francisco.
“O povo de Feijó tem muito desejo de que a Igreja abra o processo de canonização dela. Seria a primeira santa da Amazônia sendo do Acre. A gente tem conversado muito com diferentes segmentos sociais, o apoio recebido é extraordinário”, disse.
Filmagem do documentário de Santa Maria da Liberdade conta com participação de fiéis que relatam ter tido milagres
Arquivo pessoal
Após visitar o local no Alto Rio Envira, pagar promessas e fazer agradecimentos, os devotos vão embora carregando terra do túmulo da ‘menina santa’.
O surgimento da capela para Maria, inclusive, também é rodeada de versões. Após a morte, ela teria sido enterrada às margens do rio e pedido ao irmão para tirá-la do local. Em outras, o corpo dela teria sido levado para um cemitério em Feijó, mas, ao irem no local no dia seguinte o corpo teria desaparecido e reaparecido intacto no local onde hoje existe a capela. Já no barranco, o corpo da santa teria sumido e ido embora em forma de espírito.
Fiéis enfrentam até cinco dias de viagem pelo Rio Envira para visitar capela de Maria da Liberdade
Evilásio Cosmiro/Arquivo Pessoal
Gravação
O filme é a culminância de uma pesquisa que vem sendo feita há sete anos e que conseguiu ser aprovada por meio da Lei de Incentivo à Cultura Paulo Gustavo. Pelo menos 22 pessoas estão envolvidas diretamente no documentário que deve ter o processo de gravação finalizado no fim deste mês.
A equipe navega pelo Rio Envira para ir até à capela. São pelo menos seis dias de viagem de ida e mais cinco de volta. Em razão do baixo nível do manancial, que marcou 3,83 metros nesta quinta-feira (20), o caminho deve durar um pouco além do previsto para ‘subir o rio’. As gravações também são feitas ao longo do caminho.
Equipes estão divididas em barcos para ir até capela de Santa Maria da Liberdade; viagem tem sido dificultada por causa do nível do Rio Envira
Arquivo pessoal
“Todo o rio e a região são próximos de indígenas isolados, todo rio tem muita história e o Acre conhece muito pouco da história dos seus rios. A história acreana ainda não se lembrou de contar com mais completude, profundidade, a história deles”, disse.
O diretor disse que a quantidade de apoiadores é grande, desde comerciantes, prefeitura local, Fundação Elias Mansour (FEM) e demais fiéis, já que a cidade se mobilizou para ajudar a contar esta história. Majoritariamente, desde direção, atores, produtora e demais fiéis dispostos a dar depoimentos, são acreanos.
“A gente espera que consigamos alcançar [no processo de canonização], pelo menos o início do processo já que o Papa Francisco é muito favorável a essa devoção popular. A gente acha que o filme possibilita que tenha repercussão tal que beneficie a população local, que é a principal mantenedora desta tradição local”, comentou.
Segundo Neves, a Igreja Católica tem colaborado com as gravações na igreja e pretende, após o lançamento do documentário, iniciar o processo de canonização em conjunto com o povo, já que esta é a principal meta da região.
“As pessoas têm muito a expectativa de ver sua santa de devoção tão querida e amada, reconhecida e oficializada pela Igreja Católica também. É uma sequência lógica para esse trabalho”, ressaltou.
Imagem de Maria da Liberdade teria sido pintada usando quadro de Paris como inspiração
Evilásio Cosmiro/Arquivo Pessoal
VÍDEOS: g1

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here